Andamos a fazer asneira da grossa. E vamos pagá-la cara.
Quem me conhece sabe que gosto pouco de me manifestar sobre a forma como cada um vive a sua vida, mas há uma situação particular, em que a coisa muda de figura e quase me salta a tampa.
Falo das vezes em que entro num restaurante e me deparo com famílias inteiras à mesa, completamente alienadas do que as rodeia e, sobretudo, de quem as rodeia. Ninguém fala com ninguém, ninguém olha para ninguém. Os dedos sim. Mexem-se. Teclam a uma velocidade estonteante e deslizam, ecrã brilhante acima, ecrã brilhante abaixo… E aqui, meus senhores, é ver-me a lançar olhares inquisitórios e reprovadores, sem o menor pudor. Não que as pessoas percebam, de tão absortas que estão, mas ainda assim correndo o risco de qualquer dia, levar com uma resposta torta. Merecida, eu sei, mas é mais forte do que eu…
Até lá e até que me batam, continuarei a dar o meu melhor, nesta minha missão de salvar o mundo do lado negro da tecnologia, que os sacanas do tablets e dos smartphones insistem em impingir-nos.
Agora, depois do necessário desabafo, passemos aos factos, antes que me acusem de má língua…
Sempre que interrompemos uma conversa com alguém que está à nossa frente, para atender o telefone… a tecnologia afasta-nos dos outros.
Sempre que nos sentamos à espera de uma consulta e a primeira coisa que fazemos é tirar o telefone da mala… a tecnologia afasta-nos de nós próprios.
Sempre que não temos a coragem de dizer o que sentimos e preferimos mandar um sms…a tecnologia faz-nos perder competências.
Sempre que achamos que a nossa vida é muita boa porque a foto do passeio de domingo na praia tem imensos likes… A tecnologia faz-nos achar que somos os maiores.
Sempre que levamos o tablet para o quarto para aproveitar mais uns minutinhos de deriva online…a tecnologia tira-nos o sono.
Sempre que deixamos de apanhar sol, ou chuva, ou vento na cara, para ficar no sofá a ver televisão…a tecnologia deixa-nos doentes.
Sempre que dizemos aos nossos filhos “espera aí, deixa-me só ver uma coisa no computador!”… a tecnologia rouba-nos o melhor que a vida nos dá.
A tecnologia pode não fazer nada disto e se assim for, estamos com certeza no bom caminho, o de a por no seu devido lugar. E esse lugar é acessório, é provisório, é material, é descartável.
As pessoas não. As pessoas riem, as pessoas choram, as pessoas têm cheiro, sentem coisas, dizem disparates, pedem desculpa, emocionam-se…
As pessoas podem fazer do mundo um lugar melhor.
A tecnologia torna-o eficiente. E isso, felizmente, ainda é muito pouco.
Nota: O filme Wall E foi lançado em 2008, altura em que começavam a surgir os primeiros smartphones, tal como os conhecemos hoje. Futuro longínquo na altura? Nunca estivemos tão perto…